A Reos Partners quer ajudar as pessoas a solucionarem seus problemas mais difíceis e mais importantes. No Brasil, um desses problemas é o sistema educacional. É um dos maiores sistemas de ensino do mundo – e um dos que enfrenta os maiores desafios. Até recentemente, a educação não considerada uma prioridade no Brasil. É animador notar a atual crescente preocupação da população com a qualidade do educação, e o reconhecimento de que ela pode ser um dos principais vetores para reduzir as desigualdades históricas e criar uma sociedade mais justa.
Para ajudar no avanço do debate, desenvolvemos o processo de cenários transformadores. O resultado dos Cenários Nacionais para a Educação no Brasil, com um horizonte até 2032, foi publicado em agosto. Este é o segundo projeto realizado pelo Instituto Reos, que constituímos no país em 2013 para facilitar a condução de grandes projetos, sendo os Cenários para a Sociedade Civil no Brasil o primeiro deles. Os novos cenários sobre a educação no Brasil estão sendo disseminados pelos membros da equipe de cenários, com lançamentos previstos para acontecer em todas as regiões do país.
Devido aos profundos antagonismos existentes entre os diversos atores do sistema educacional no país, já foi uma grande conquista termos conseguido convocar e completar este processo. A Reos Partners “fez o impossível” ao reunir este grupo diverso de pessoas para discutir possíveis futuros, disse um dos membros da aliança convocadora. Além disso, o processo resultou em uma clara mudança no tom dos relacionamentos entre atores chave do sistema, criando uma base comum para enfrentar os desafios futuros.
“O mais importante é que este grupo é otimista”, disse outro membro da aliança convocadora ao encerrar o processo. “Temos diferentes visões, mas estamos unidos na luta por uma educação que seja para todos”.
Um sistema enorme que busca aumentar as expectativas
O sistema educacional brasileiro enfrenta muitas questões semelhantes aos de outros países, como a escassez de recursos e oportunidades desiguais. O próprio tamanho do sistema aprofunda esses problemas: de uma população de 200 milhões de pessoas, 50 milhões são estudantes; há 200,000 escolas e 2 milhões de professores. “Não é um sistema simples de se abordar”, diz Christel Scholten, diretora geral da Reos Partners no Brasil. “Muitos dos participantes estão envolvidos nele há décadas, e continuam enfrentando essas questões de escala”.
Embora a educação pública tenha se tornado um direito constitucional em 1988, somente agora a população está começando a vê-la como uma prioridade. Os padrões de exigência e salários para professores, por exemplo, são muito baixos.
Portanto, não é nenhuma surpresa que o Brasil se coloque entre a 54ª e 60ª posição de um total de 65 países nos testes internacionais de aptidão em matemática, ciência e domínio da língua entre os jovens de 15 anos de idade (PISA – Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes).
“Não para todas, mas para muitas famílias de brasileiros mais pobres, esta é a primeira geração a ter acesso à educação”, diz Scholten. “As famílias estão felizes que seus filhos estejam pelo menos frequentando a escola. O grande desafio agora é acompanhar a qualidade da educação e aumentar as expectativas coletivas do país.”.
A geração perdida dos “nem-nem”
Está claro que o sistema de ensino brasileiro é falho para com milhares de jovens todos os anos. Há uma expressão popular para estes jovens: os “nem-nem”: eles nem estudam e nem trabalham. Muitos são atraídos para as drogas e violência.
Na verdade, o Brasil tem um dos maiores índices de encarceramento juvenil do mundo e a situação poderia ser agravada: em agosto, poucos dias após o lançamento dos cenários transformadores, estava sendo analisado um projeto de lei para diminuir a maioridade penal de 18 para 16 anos de idade. Sua aprovação seria um enorme retrocesso aos olhos dos educadores e outros especialistas, diz Scholten.
Estes são alguns dos efeitos cascata que um sistema de educação falho pode causar em um sistema mais amplo, diz Scholten. “Toda vez que fazemos um projeto no Brasil, tudo volta ao tema da educação”.
Diversos atores em diálogo pela primeira vez
Neste contexto, a natureza exploratória do processo de cenários transformadores os tornou um espaço natural para ajudar as pessoas envolvidas no sistema educacional a terem conversas reais – em muitos casos, pela primeira vez.
Começamos o processo dos cenários em meados de 2014, quando realizamos entrevistas de diálogo com 71 líderes de todos os setores do sistema educacional. Destes, 41 pessoas foram convidadas a participar do processo de construção de cenários. Para se ter dimensão da complexidade política e interpessoal a ser trabalhada aqui, demoramos três meses para discutir e negociar quem deveria ser convidado para a equipe de cenários, diz Scholten.
Além deste desafio, as oficinas de cenários começaram logo após o lançamento do novo Plano Nacional de Educação de 10 anos, formalizado e sancionado pela Presidente Dilma Rousseff. As negociações para a criação deste novo plano foram sido difíceis e demoradas: um processo de revisão que tipicamente demoraria um ano acabou estendendo-se por três. Muitos dos membros da equipe de cenários estiveram envolvidos naqueles processos, e estavam tensos quando os trabalhos começaram.
No entanto, o momento era oportuno, diz Scholten. Havia a percepção de muitos de que os avanços na educação conseguidos nas últimas décadas estavam sendo contestados pela atual administração. “Há muito conservadorismo religioso. Há ameaças aos direitos de gênero, orientação sexual e diversidade na educação. Entre outros problemas há retrocesso nos direitos dos povos indígenas à terra. Os participantes veem que todas as conquistas feitas nestas áreas estão sendo desafiadas e questionadas”.
Os cenários para o futuro se desenrolam no presente
A equipe se reuniu quatro vezes ao longo dos últimos 12 meses e desenvolveu quatro cenários para a educação no Brasil. Cada cenário analisou seis temas: desigualdades e diversidades; participação e controle social; o papel do Estado; pedagogia, proposta educacional, o papel do educador e do estudante, qualidade, currículo e avaliação; modelos de gestão e o equilíbrio entre o público e privado.
Ao término das oficinas, diz Scholten, os diversos membros da equipe concluíram que o cenário mais provável era o cenário “tico-tico” (nome de uma ave brasileira), que se caracteriza pela continuação do status quo: o governo tem a intenção de universalizar a educação, mas é incapaz de fazê-lo, e a educação de qualidade fica restrita a poucos. Há mais violência e influência religiosa. Impasses persistentes impedem quaisquer avanços reais no sistema.
Os acontecimentos observados nos meses que se seguiram ao encerramento da oficina (incluindo a proposta de uma nova maioridade penal) fizeram com que simplesmente manter o status quo se tornasse uma prioridade para muitos que estavam descontentes com ele, temendo o cenário “falcão-peregrino” de privatização. Em agosto, um generalizado sentimento de insatisfação para com o governo, corrupção, economia, educação e com outros serviços públicos culminou em protestos em 200 cidades de todos os 26 estados do Brasil.
“Aspectos do que está acontecendo estão presentes nos cenários tico-tico e falcão-pelegrino”, diz Scholten. No entanto, a equipe não previu que o Brasil estaria enfrentando estas questões tão cedo”.
Resultado inicial: construir confiança em meio ao caos
Diante desta situação tensa e instável, a construção de relacionamentos vivenciada pelos participantes durante o processo de cenários pode contribuir para estabelecer as bases para o progresso.
“Houve uma mudança real nos relacionamentos”, diz Scholten. “A primeira oficina foi intensa. Estávamos apenas tentando construir confiança dentro do grupo. Quando começamos a segunda oficina, já pudemos notar uma mudança. Quando abrimos as portas, os membros da equipe de cenários se cumprimentaram com sorrisos e abraços”.
Um membro da equipe de cenários descreveu a experiência deste modo: “Criamos parcerias, amizades e relacionamentos. Foi um profundo processo de aprendizagem. A experiência que vivenciamos, em um grupo com diversos atores do sistema, foi muito rica”.
Este é um resultado frequente dos processos de cenários. Independentemente do tipo de sistema em que estamos trabalhando, é comum que atores com posições divergentes tenham se encontrado anteriormente – se é que já se encontraram – somente em fóruns de debate. O processo de cenários muitas vezes é a primeira vez em que estabelecem um diálogo, sentados ao redor da mesma mesa, caminhando juntos, colocando novas ideias no papel... e até mesmo trabalhando juntos com peças de Lego.
E foi isto que aconteceu desta vez, diz Scholten. “É um formato muito diferente de um congresso do governo sobre educação.”
Nosso próprio aprendizado sobre confiança e imparcialidade
Para conseguir colocar as pessoas em uma mesma sala, a construção da confiança na Reos Partners e em nosso trabalho começa muito antes do início das oficinas e até mesmo antes das entrevistas iniciais. No entanto, a participação de um grupo de atores verdadeiramente diversos é fundamental para o processo e para a legitimidade dos cenários resultantes. Neste caso específico, a Reos Partners demorou meses para engajar as organizações participantes.
Embora o projeto tenha alcançado a diversidade necessária, a equipe da Reos Partners e da aliança convocadora não conseguiram cultivar relacionamentos com determinados partes adversárias cujas presenças teriam contribuído para uma dinâmica mais enriquecedora.
“Em retrospectiva”, diz Scholten, “ poderíamos ter investido mais tempo na construção de confiança junto àqueles atores que optaram por não participar do processo. Quando iniciamos o projeto, éramos relativamente novos no campo da educação no Brasil, e não conhecíamos alguns dos atores do sistema. Se tivéssemos conseguido realizar entrevistas de diálogo com eles, talvez eles pudessem se engajar mais, como é frequentemente o caso, e então teriam aceitado o convite para participar do processo de cenários”.
Um aspecto atípico deste projeto, que exigiu alguma adaptação por parte de nossa equipe de facilitação, foi a insistência do grupo de que este exercício focasse em dar uma contribuição ao debate público sobre a educação, e não em criar agendas e influenciar políticas públicas – já há mecanismos formais e fóruns para isso. Normalmente, aqueles com quem trabalhamos querem usar o processo de cenários para influenciar mudanças. Nós também queremos influenciar mudanças. Este grupo, no entanto, resistiu a este tipo de linguagem.
Neste meio tempo, à medida que os cenários são disseminados no país, esperamos que eles de fato contribuam para o debate público sobre o futuro da educação no Brasil. Eles oferecem uma nova linguagem, um precioso ponto focal livre de retóricas, e um precedente para novos relacionamentos dentro do setor de educação.