A experiência mais comum compartilhada pelas mulheres em todo o mundo é a da violência doméstica, de acordo com um estudo de 2013 da Organização Mundial da Saúde. Na Austrália, a Reos Partners está ajudando a definir as bases para uma abordagem preventiva e nacional dessa epidemia invisível: uma abordagem sistemática do comportamento, atitudes e necessidades dos homens que cometem violência contra as mulheres.
Os esforços de resposta e prevenção concentrados nos perpetradores de atos de violência doméstica e sexual – que são predominantemente homens – são complexos e relativamente novos. Há poucas evidências sobre o que realmente funciona. O governo central da Austrália começou por buscar um acordo nacional junto ao setor de combate à violência contra as mulheres para definir o que deve ser alcançado neste trabalho com os homens. Com este objetivo, a Reos Partners foi envolvida para apoiar o desenvolvimento de procedimentos padrão para intervenções junto a perpetradores.
Este apoio veio na forma de uma série de entrevistas de diálogo, oficinas e pesquisas com pessoas que trabalhavam no setor, durante seis meses em todos os oito estados e territórios da Austrália. Este foi um dos maiores projetos nacionais que já realizamos, com mais de 700 participantes. Após mais trabalhos na formulação da política e de um acordo com todos os estados e territórios, os procedimentos foram divulgados em dezembro de 2015 pelo primeiro-ministro da Austrália.
O processo alterou significativamente a proposta original do governo para os procedimentos e gerou a grande adesão necessária para avançar com o projeto. “Se não houver consistência a longo prazo e em todo o país, as coisas não irão mudar”, diz o participante da oficina Danny Blau, consultor de Melbourne que trabalha com homens. “A efetividade do projeto dependeria do local ao invés de ser uma resposta nacional”.
Uma mudança de perspectiva
Este projeto tem origem em um projeto anterior de 2008, que posicionou a Austrália como líder global no tema: o Plano Nacional para Reduzir a Violência Contra as Mulheres e seus Filhos. Os perpetradores eram uma das áreas de foco do plano e o desenvolvimento dos procedimentos para intervenção junto aos perpetradores foi identificado como o próximo passo.
“Para interromper o ciclo de violência,” diz Leigh Gesner, diretor da Reos Partners em Melbourne, “precisamos entender as razões que levam os homens a cometerem atos de violência e trabalhar com eles, entendendo suas necessidades ao mesmo tempo em que os responsabilizamos por seus atos. Precisamos saber quais os resultados esperados de um sistema eficaz de resposta”.
Gassner participou do grupo consultivo do governo da Austrália na implementação do Plano Nacional e foi convidado para conduzir o projeto. Ele começou a trabalhar com a segurança de mulheres e crianças quando era comissário assistente da polícia de Victoria, onde liderou o primeiro plano integrado de resposta à violência doméstica da Austrália.
As evidências nos mostram que muitos dos perpetradores foram vítimas quando crianças, mas que as atitudes e crenças relacionadas à cultura desempenham também um papel importante no seu comportamento. “Se queremos agir de verdade na prevenção”, diz Blay, “precisamos discutir suas atitudes e crenças com relação ao gênero, relacionamentos e criação dos filhos”. Estes temas são os precursores da violência dos homens contra mulheres e crianças”.
O feedback que coletamos em todo o país corroborou este entendimento e, em última análise, reformulou a proposta inicial do governo. Embora todos concordassem que a segurança de mulheres e crianças deveria permanecer como tema central nas intervenções com os homens, havia também um apelo para que se desse mais ênfase em fazer com que os homens assumissem a responsabilidade por seus comportamentos e atitudes. Os participantes identificaram outra necessidade que até então não havia sido mencionada: assegurar que as pessoas que trabalham com perpetradores, em qualquer nível do sistema, entendam e estejam capacitadas para lidar com a dinâmica da violência doméstica e sexual. Além disso, os participantes apontaram que o sistema precisa ser cobrado por responder adequadamente a essas questões.
Um processo amplo produz uma visão equilibrada
Nossos esforços para consolidar os procedimentos de intervenção consistiram em 70 entrevistas de diálogo, dezenas de pesquisas e 13 oficinas de um ou três dias cada uma, realizadas em todo o país. Normalmente, conduzimos estes processos de forma sequencial, com as entrevistas e pesquisas alimentando as oficinas. No entanto, o único modo de realizar a enorme quantidade de oficinas no apertado espaço de tempo que tínhamos aqui foi conduzi-los simultaneamente.
Esta escolha não era a ideal, mas nosso imperativo era abranger todo o continente, incluindo as comunidades aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres. “Ao fazê-lo desta maneira”, diz Gassner, “tivemos uma visão mais próxima e granular da realidade de cada estado e território. Se tivéssemos feito uma oficina nacional, provavelmente teríamos perdido muito desse conhecimento”.
Fizemos mais do que reunir feedbacks sobre a proposta de procedimentos de intervenção. Utilizando os elementos do nosso processo de laboratório social, que se desenrola durante meses ou anos, ajudamos as partes interessadas a explorar seus sistemas juntas em cada oficina. “Os participantes se tornaram muito mais conscientes sobre seus sistemas no nível local e começaram a criar relacionamentos”, diz Gassner. “Um agente do governo de Canberra disse que eles nunca viram a construção de tanto capital social em um processo de consultoria. Isto nos mostrou que os processos da Reos podem ser bastante flexíveis”.
Revelando a expertise invisível do setor
Como sempre, identificar todo o espectro de partes interessadas e recrutá-las para participar do processo foi uma parte crítica do nosso trabalho, onde fomos bem-sucedidos.
Até aquele momento, diz Blay, as pessoas que trabalhavam nas trincheiras durante anos, foram em grande parte ignoradas. “Pessoas do alto escalão possuem voz, mas a natureza do trabalho de combate à violência doméstica é ser discreto, sendo realizado a portas fechadas. É ali onde está a expertise. Não sabemos como ela é, e na verdade não sabemos quem sabe”.
De fato, diz Gassner, nem o governo conhecia o tamanho do setor. Embora os governos locais de toda a Austrália tenham nos oferecido uma lista com aproximadamente 350 partes interessadas a quem deveríamos contatar (organizações, indivíduos, acadêmicos), a equipe foi capaz de dobrar esse número ao localizar justamente este conhecimento oculto no sistema.
Uma base para a integração
Se a Austrália quer avançar no combate à violência contra as mulheres, é crucial que se tenha uma liderança nacional com influência sobre todos os diferentes governos dos estados e territórios do país. No entanto, diz Blay, hoje “a diferença de pensamento e respostas ao problema, mesmo entre Melbourne e Sydney, é enorme”. Com um conjunto acordado de procedimentos de intervenção, que está agora em vigor, os governos central, estaduais e territoriais podem, juntos, financiar um esforço mais unificado com maior potencial de sucesso.
Outro resultado significativo das oficinas é o início de um debate mais profundo e produtivo sobre prevenção e os homens. Segundo Blay, “o processo deixou claro que há muito trabalho a fazer para assegurar respostas consistentes, que sejam éticas e seguras, e não apenas baseadas em intervenções legais”.
O trabalho de consulta revelou também que os procedimentos de intervenção precisam de mais pesquisas para direcionar e estruturar o trabalho. Na verdade, enquanto o processo se desenvolvia, o governo da comunidade já estava criando um novo centro de pesquisa dedicado a explorar estratégias eficazes de intervenção junto a perpetradores.
Neste meio tempo, o governo pediu a Reos Partners que fizesse uma segunda consulta nacional sobre o próximo passo lógico do trabalho: indicadores de performance para os novos procedimentos. Estamos entusiasmados em fazer parte dos esforços revolucionários da Austrália e também em aplicar o que aprendemos aqui sobre o enfrentamento deste arraigado problema global a um novo projeto sobre a violência de gênero na África do Sul - e além.