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Nós vs. Eles: outro caminho é possível

Adam Kahane
Fevereiro, 2022

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Seja na sala de reuniões ou nos salões do governo, podemos alcançar formas mais pacíficas e produtivas de trabalhar.

Em 2018, nos momentos finais cheios de adrenalina antes de uma equipe com a qual  eu e meus colegas estávamos trabalhando há meses, apresentar suas conclusões em uma reunião pública, centenas de anos de dor e polarização de repente vieram à tona. Era tudo sobre uma palavra no texto que eles estavam prestes a compartilhar, uma palavra que expunha os cismas profundamente enraizados na equipe e no sistema que eles representavam e estavam tentando mudar.

Eles eram líderes civis da Carolina do Sul que vinham trabalhando juntos para tentar consertar seu sistema de serviços sociais cronicamente ineficaz e injusto. Pouco antes da reunião pública, um empresário branco e conservador da equipe levantou uma objeção à inclusão da palavra “racismo estrutural” na apresentação porque achava que culpava injustamente os brancos de hoje por injustiças históricas. Uma mulher negra da equipe, que era administradora de uma agência, ficou chateada com sua falta de vontade de reconhecer o privilégio branco sistêmico e contínuo e a discriminação contra os negros que ela tinha testemunhado e sofrido. A tensão na sala aumentou.

Não era a primeira vez que nós víamos um problema fervendo por muito tempo transbordar. Durante esse mesmo período, estive envolvido em esforços para resolver conflitos políticos na Tailândia, Etiópia, México e Canadá, onde testemunhei muitas interações semelhantes entre pessoas de origens muito diferentes. Às vezes eu até participei e criei tais cismas, quando me peguei pensando não apenas que não concordava com o que meus colegas estavam fazendo, mas também que eles estavam errados, eram irresponsáveis e não confiáveis.

Em todas essas situações, no mundo, e até mesmo – geralmente de maneira silenciosa – em nossos negócios, vejo um padrão de crescente fragmentação, polarização e demonização. A rotulação das pessoas de “aqueles outros” segue a mesma sequência da minha rotulação dos meus colegas, e pode ir mais longe: de diferente a errado, de ruim a mau, e até mesmo de desumano e não merecedor de viver. Nosso discurso público está se tornando dominado por uma mentalidade de “nós contra eles”, traçada ao longo de linhas de ideologia, classe, etnia, religião e nacionalidade. Nos negócios, separamos as pessoas em “nós contra eles” de acordo com o que pensam ou à qual equipe ou organização pertencem. Às vezes tratamos os outros como colegas ou concorrentes amigáveis, e às vezes como inimigos. Essa prática de “criar inimigos”, em todas as esferas, pode ser funcional por um tempo – mobilizando-nos para lutar – mas também pode ser extremamente perigoso.

Outro mundo é possível.

Primeiro, você tem que ver

Em 1997, eu facilitei 10 dias de reuniões para o Destino Colômbia, um projeto para desenvolver cenários para o futuro da Colômbia. As reuniões incluíram representantes da maioria das partes envolvidas no longo e violento conflito do país – políticos, empresários, líderes comunitários, sindicalistas, militares e comandantes de guerrilhas ilegais de esquerda e paramilitares de direita. Essas reuniões e o consenso que produziram sobre o que poderia acontecer na Colômbia tornaram-se conhecidos em todo o país, mas pareciam não fazer diferença para a resolução do conflito.

Mas então, em 2016, o presidente colombiano Juan Manuel Santos assinou um acordo de paz com o maior grupo guerrilheiro e recebeu o Prêmio Nobel da Paz. No dia em que recebeu o prêmio, ele descreveu as reuniões 20 anos antes como “um dos eventos mais significativos na busca da paz do país”.

Sempre me perguntei por que as reuniões, aparentemente infrutíferas, do Destino Colômbia foram lembradas e comentadas por tantas pessoas por tanto tempo. Penso agora que a realidade dessa equipe e o consenso que chegaram representaram uma “prova de existência”: uma demonstração visível de que era possível que as facções em conflito nessa situação trabalhassem juntas de forma pacífica e produtiva – mesmo que esse trabalho pudesse ser difícil ou temporário ou insuficiente.

Recentemente, tive uma experiência pessoal com a utilidade de tal prova de existência. Em outubro passado, meu médico me disse que, para ser saudável, eu precisava perder peso e, nos meses seguintes, consegui perder 22 kg. Os médicos já haviam me dado severas orientações várias vezes antes. Por que finalmente consegui agir? Acho que foi porque da última vez, logo depois de conversar com meu médico, encontrei um amigo que não via há um ano, que estava em uma situação semelhante e que havia emagrecido drasticamente por meio de um programa de dieta e exercícios. Pude ver com meus próprios olhos que isso poderia acontecer.

No meu caso, descobri que perder peso exigia atenção e esforço, mas era factível. Achei que precisava fazer isso, que era possível e que eu sabia como. O maior efeito em mim foi realmente mais mental do que físico. Descobri que posso fazer isso. Não sei o que vai acontecer no futuro – talvez eu volte a ganhar peso. Mas não posso deixar de saber que essa maneira diferente é possível.

Desde o projeto Destino Colômbia, meus colegas e eu ajudamos mais de 100 equipes multissetoriais a trabalharem juntas em desafios compartilhados. Alguns desses esforços foram em situações extraordinariamente complexas e conflituosas, como na Colômbia, e outros em situações mais comuns, em questões como saúde, educação, energia, meio ambiente e governança. Portanto, sei que há outra maneira de resolver problemas difíceis.

Em seguida, equilibre seus impulsos por poder e amor

Minha pós-graduação é em economia e um economista, diz a piada, é alguém que fica acordado na cama à noite se perguntando se o que funciona na prática pode funcionar na teoria. Então, tentei entender o que é necessário para as pessoas irem além do “nós contra eles”, não apenas na prática, mas também conceitualmente. A explicação mais clara que encontrei é que em todas as escalas — individual, equipe, empresa e nação — os sistemas sociais têm dois impulsos: poder, o impulso para a autorrealização; e amor, o impulso para a reunificação. Esses dois impulsos são vetores complementares de desenvolvimento, e é sempre um erro escolher um ou outro. Martin Luther King Jr., resumiu essa polaridade quando disse: “Poder sem amor é imprudente e abusivo, e amor sem poder é sentimental e anêmico. É exatamente esta colisão do poder imoral com a moralidade sem poder que constitui a maior crise do nosso tempo”.

A tendência atual de crescente fragmentação, polarização e demonização é uma manifestação de poder sem amor. Sempre há um “nós” com o qual nos identificamos e queremos proteger e fortalecer, mas quando desconectamos “nós” de “eles”, produzimos imprudência e abuso – e não há limite para o quão ruim isso pode ficar. A solução não é negar ou suprimir a autorrealização, mas equilibrá-la com a reunificação: investir na conexão e no diálogo com “aqueles outros”, sejam eles do outro lado da fronteira, do corredor, dos trilhos ou da parede da baia.

A equipe Destino Colômbia e muitas outras extraordinárias e comuns como ela provam que tal reunificação, embora não seja fácil nem garantida, é possível. Em nossas comunidades e organizações, podemos e devemos ir além do “nós contra eles” e os perigos – separação, desprezo, medo, raiva e dano – que esse enquadramento desequilibrado apresenta. Como escreveu a autora indiana Arundhati Roy: “Outro mundo não é apenas possível, ela está a caminho. Em um dia tranquilo, posso ouvir sua respiração.”


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