Em uma época em que mudanças importantes estão acontecendo na educação pública, os Cenários Nacionais para o Futuro da Educação no Brasil servem para nos lembrar que, embora não possamos prever ou controlar o futuro, nós podemos influenciá-lo.
Ao estimular um diálogo multisetorial, o projeto de cenários tem contribuído para uma mudança significativa nas relações entre alguns dos principais atores do campo da educação no Brasil, e tem enriquecido o debate público sobre o assunto. De acordo com Christel Scholten, Diretora Geral da Reos Partners, alguns dos principais resultados alcançados pelo projeto de cenários foram “a contribuição para uma nova linguagem, uma preciosa base comum livre de retórica e um precedente para relacionamentos construtivos dentro do setor”. Por meio do desenvolvimento de importantes reflexões sobre o futuro da educação pública, a equipe de cenários, em colaboração com o Instituto Reos, criou um fórum para debates relevantes, apesar das profundas diferenças de pontos de vista sobre o assunto.
Mesmo em meio a uma séria crise política no país, os cenários têm sido amplamente disseminados, abrindo espaços para a colaboração e lançando os alicerces para a mudança no sistema. Deste modo, dois anos após seu lançamento, o projeto continua a estimular novos debates, estratégias e ações por parte de importantes atores do sistema educacional e a fomentar o desenvolvimento de agendas coordenadas e esforços integrados para a melhoria da educação
Histórico
A aliança convocadora para projeto de cenários para incluiu Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Consed, GIFE, Instituto Reos, Todos pela Educação e UNDIME. A iniciativa teve início em meados de 2014, quando realizamos entrevistas com 71 líderes de todo o sistema educacional. As oficinas de cenários começaram logo após o novo Plano Nacional de Educação 2014-2024 ter sido formalizado e sancionado pela então Presidente Dilma Rousseff. O Plano Nacional de Educação reforçou a ideia de que a educação pública é um direito constitucional e que precisa ser monitorada pela sociedade. Muitos membros da equipe de cenários estiveram envolvidos na criação deste plano, que representou uma conquista importante para o campo da educação e para estes líderes.
Os membros da equipe de cenários se reuniram quatro vezes, com vários encontros adicionais ao longo de 18 meses. A equipe desenvolveu quatro cenários potenciais para o futuro da educação no Brasil, que foram batizados com nomes de aves brasileiras: Canário da Terra, Beija-Flor, Falcão-Peregrino e Tico-Tico. Os cenários diferem um do outro de acordo com o desenrolar de seis fatores no futuro: desigualdades e diversidades; participação e controle social; o papel do Estado; o modelo de educação; gestão escolar; e o equilíbrio entre a influência pública e privada.
Depois de seu lançamento em um evento em São Paulo no dia 20 de agosto de 2015, os cenários têm sido continuamente disseminados entre diferentes grupos, com o objetivo de enriquecer e estimular o debate público.
Contexto da Educação no Brasil
Embora muitos avanços tenham sido alcançados nos últimos anos, a situação política atual no Brasil constitui um grande desafio para o sistema educacional. Em 2016, várias decisões políticas aprovadas representaram retrocessos para a educação, e outras decisões ainda estão em discussão devido à crise econômica e ao avanço de uma agenda conservadora. Esta mudança no rumo dos eventos não foi prevista pelos cenários, mas foi refletida no cenário Tico-Tico, que descreve a continuidade do status quo, no qual o Estado busca universalizar a educação, mas é incapaz de implementá-la; poucos têm acesso a uma educação de alta qualidade; e a violência e a influência religiosa na educação aumentam. No cenário Tico-tico, impasses constantes impedem avanços reais no sistema, e o Plano Nacional de Educação 2014-2024 não é executado. Resta saber se a realidade irá se desenrolar da mesma maneira.
Atualmente o Congresso discute a PEC 241, uma emenda constitucional proposta pelo Ministro da Economia, que na prática invalidaria o Plano Nacional de Educação 2014-2024. “O Plano requer o incremento de 3,4 milhões de vagas na educação infantil, 500.000 no ensino fundamental, 700.000 na pré-escola e 2 milhões na educação superior até 2024”, diz Daniel Cara, Coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Os dados mostram que o Brasil precisa expandir o número de vagas para os estudantes e aumentar os investimentos na qualidade da educação pública, mas, de acordo com Cara, a discussão em curso não corresponde à realidade apresentada pelos números.
A questão permanece: como podemos inspirar estratégias e ações que encorajem os melhores aspectos dos cenários para a educação, em vez dos piores? Se não começarmos a dar passos na direção certa, como será a educação no Brasil em 2032?
Impacto: Expandindo o escopo
O processo de construção de cenários é um modo de destravar e superar situações complexas e polarizadas, com impactos sobre os relacionamentos e em trazer à tona uma nova compreensão sobre um determinado setor. Apesar de suas diferenças, por meio do diálogo sobre o futuro da educação no Brasil os membros da equipe de cenários chegaram a bases comuns sobre algumas questões chave. Em uma carta publicada em junho de 2016, eles afirmaram que “acreditam que a educação básica é fundamental para o desenvolvimento do país no curto, médio e longo prazos, e que pensar sobre o futuro nos ajuda a refletir e agir no presente”. O objetivo desta carta era o de aumentar o impacto dos cenários na arena pública e a conscientização sobre os desafios que a situação atual representa para a sociedade.
Ao longo do primeiro semestre de 2016, a equipe de cenários procurou expandir o escopo inicial do projeto e identificar novas oportunidades de diálogo, disseminação e mobilização. Algumas ações para ampliar o impacto do projeto incluíram: o evento Todos pela Educação em maio de 2017, uma entrevista para a revista Gestão Escolar, um seminário da Campanha Nacional pelo Direito à Educação sobre a qualidade na educação pública em Brasília, e uma apresentação na 26ª reunião da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação.
Evento Todos pela Educação em São Paulo
O evento da Todos pela Educação foi dirigido aos investidores sociais privados e lançou as bases para duas campanhas: (1) a assinatura de um manifesto de oposição às ameaças ao igual acesso à educação, independente de gênero, orientação sexual, e outras formas de diversidade, e; (2) o lançamento no Twitter da hashtag #pela educação. Durante o evento, os participantes manifestaram preocupação com os retrocessos que ameaçam a pluralidade da educação brasileira e produziram um manifesto em oposição ao Programa Escola Livre. O programa proposto tem o objetivo de limitar a liberdade de expressão nas salas de aula, sob a premissa de que as escolas precisam ser neutras e que alguns conteúdos podem encorajar os estudantes a adotarem uma determinada ideologia.
O manifesto demonstrou a força e o valor do projeto de cenários em construir relacionamentos entre organizações com diferentes agendas estratégicas. As organizações participantes definiram uma série de aspectos “não negociáveis” no sistema educacional brasileiro e promoveu uma declaração nesse sentido nas redes sociais. Muitos indivíduos e organizações assinaram o documento, que foi enviado para a Assembleia Estadual de Alagoas (que havia aprovado o Programa Escola Livre), o Governo do Estado de Alagoas (que tentou vetar o programa), à Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (que era responsável pelo Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o programa e ao Supremo Tribunal Federal (que irá julgar a constitucionalidade do programa).
Além do manifesto, o evento de 17 de maio deu forma a um movimento espontâneo: a celebração do segundo aniversário do Plano Nacional de Educação. A campanha no Twitter foi realizada por organizações importantes, como CENPEC, Aprendiz, FLACSO-Brasil, Campanha Nacional dos Direitos da Educação, e a Confederação dos Trabalhadores da Educação. A campanha serviu para aumentar o nível de conscientização sobre os objetivos do Plano Nacional de Educação 2014-2024. Ela procurou informar como as pessoas poderiam manter-se atualizadas sobre a implementação do plano, assim como engajar e responsabilizar os atores envolvidos em seu progresso. Até 24 de junho de 2016, no Twitter e Instagram havia um total de 26.703 postagens e 1.485.261 visualizações.
Entrevista Revista Gestão Escolar
George Stein, da Reos Partners, foi destaque na revista Gestão Escolar, com mais de 4.000 pessoas assistindo a um vídeo postado no Facebook sobre a entrevista. George falou sobre os Cenários Nacionais para o Futuro da Educação no Brasil com o objetivo de apoiar os gestores escolares no uso dos cenários como ferramenta para o planejamento diário das atividades em sala de aula. “O potencial para ações transformadoras é evidente nos grupos que são desafiados diariamente em busca de um melhor ensino. A educação nestes fóruns não é apenas uma ideia bem-intencionada; é uma prática diária. Escolas, comunidades, equipes administrativas, professores, colaboradores e estudantes estão começando a olhar nesta direção e a refletir sobre os futuros possíveis para a Educação no Brasil”, explicou Stein.
Evento da Campanha Nacional pelo Direito à Educação em Brasília
Em julho de 2016, em um Seminário da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 13 estudantes de movimentos de ocupação de escolas em seis Estados brasileiros (Ceará, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo) participaram de um workshop intitulado “A Voz das Escolas na Discussão sobre a Qualidade da Educação Atual”. Quatro membros do grupo de cenários estiveram envolvidos neste diálogo sobre a qualidade da infraestrutura, currículo escolar, gestão, e participação dos estudantes nas escolas. Os estudantes foram veementes ao enfatizar a importância de um governo democrático e de uma nova pedagogia nas escolas. É interessante notar que estas ideias estão fortemente presentes nos cenários Canário e Beija-Flor.
Reunião da União Nacional dos Conselhos municipais de Educação no Tocantins
A 26ª reunião da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação aconteceu em Palmas, no Tocantins. Cerca de 600 participantes de todo o país refletiram sobre como influenciar e contribuir para um cenário positivo.
Seguindo em Frente
Os cenários transformadores têm sido apresentados às comunidades escolares, movimentos sociais, organizações não governamentais nacionais e internacionais, fundações, universidades, comunidades e grupos estudantis e a milhares de cidadãos quem acreditam ou não em uma educação de alto nível como meio de construir um país justo e sustentável.
Como podemos construir alicerces sólidos em tempos de polarização e radicalismo? O projeto acabou de completar 2 anos. Os cenários introduzem conversas estratégicas e de colaboração – como meio de estimular a conscientização e o pensamento crítico sobre questões complexas, fazendo com que o potencial para a mudança cresça exponencialmente.
As atividades relacionadas aos cenários para o restante de 2016 incluem eventos, advocacy, campanhas para escrever cartas abertas, manifestos, e a criação e distribuição de materiais especiais para a administração pública, todos com o propósito de estimular novas conversas, estratégias a ações, e promovendo o desenvolvimento de esforços coordenados para a melhoria da educação. “O processo de criação dos cenários nos enriqueceu, e esperamos que a disseminação e o uso dos cenários também enriqueçam as pessoas que estão em contato com eles” disse André Lázaro da Fundação Santillana. Com o apoio continuado do Instituto C&A, um dos principais parceiros no processo de cenários, a equipe da Reos Partners no Brasil continuará a articular e promover ações e resultados para expandir e aprofundar o impacto do projeto.