Trabalhamos juntos no ano passado em um projeto chamado “Wahbung: Our Tomorrows Imagined / “Wahbung: Nossos Amanhãs Imaginados” para criar uma visão de futuro compartilhada e caminhos em direção a Mino Pimatisiwin (“a vida boa”, na língua Cree) para os povos das Primeiras Nações em Manitoba, província do Canadá. Este projeto é uma iniciativa da Assembleia de Caciques de Manitoba, em parceria com três outras organizações indígenas locais e a Universidade de Manitoba, e com o apoio da Reos Partners.
Nós dois (Adam Kahane e Melanie MacKinnon) lideramos uma equipe de facilitação formada por membros das Primeiras Nações e a Reos, incluindo Marcia Anderson, Brenna Atnikov, Moriah Davis, Mike Kang, Amanda Meawasige, Dean Parisian e Darlene Spence. Esta equipe organizou, desenhou e conduziu quatro oficinas de vários dias cada de uma equipe de cenários composta por Anciões, Guardiões do Conhecimento, jovens e líderes das Primeiras Nações em saúde, educação, desenvolvimento comunitário e bem-estar infantil. Nosso objetivo principal foi de apoiar a equipe de cenários a desenvolver um conjunto de respostas compartilhadas a quatro perguntas estratégicas:
- Perspectivas: Como vemos a realidade complexa atual de nossas vidas?
- Cenários: Como nossas vidas poderiam se desenvolver nas próximas décadas?
- Opções: Como poderíamos lidar com essa situação imprevisível, mas ao mesmo tempo influenciável?
- Visão: O que devemos fazer para construir uma vida boa?
Tivemos também um objetivo secundário: descobrir como entrelaçar as metodologias utilizadas pelos membros de nossa equipe das Primeiras Nações, com as metodologias utilizadas pelos membros da Reos, para responder coletivamente a tais questões. Nossa abordagem para esse trabalho de entrelaçamento tem sido aprender fazendo: para cada parte de cada oficina, conversamos e concordamos sobre a metodologia que usaríamos, tentamos, recebemos feedback e depois ajustamos a rota.
Nossos maiores aprendizados surgiram de desencontros e conflitos dentro de nossa equipe e com a equipe de cenários. Temos sido capazes de reconhecer e concordar quando algo que estamos fazendo não funcionou e pivotar de novo e de novo. Desta forma, conseguimos ajudar a equipe dd cenários a responder às quatro perguntas e usar essas respostas para conduzir suas organizações e comunidades em direção a Mino Pimatisiwin.
Onde começamos
Quando a equipe de facilitação começou a desenhar este projeto em março de 2018, estávamos todos entusiasmados por trabalharmos juntos em um esforço potencialmente histórico. Inicialmente, fizemos algumas negociações entre nós sobre como incorporar as considerações culturais das Primeiras Nações nas oficinas. Ainda assim, na maior parte, a metodologia com a qual começamos foi o Processo de Cenários Transformadores que Reos desenvolveu nos últimos 25 anos por meio de projetos em diferentes contextos ao redor do mundo. Esta metodologia é estruturada e ao mesmo tempo criativa, e se baseia nas seguintes premissas básicas (entre outras):
- A base para a construção de possíveis cenários futuros para um sistema requer o engajamento na observação disciplinada da história e da realidade atual do sistema. Neste projeto, nos concentramos no sistema que está criando bem-estar, ou a falta dele, entre os povos das Primeiras Nações em Manitoba.
- O requisito básico para um trabalho em equipe produtivo e criativo é deixar de lado a hierarquia e a formalidade. Este requisito designa a mesma quantidade de tempo de fala para todos os participantes.
- Novos resultados, como respostas compartilhadas às quatro perguntas acima, são criados por meio de um processo de prototipagem com ciclos rápidos, onde uma primeira versão é produzida rapidamente e então sujeita a várias rodadas de feedback e melhoria.
- Os facilitadores atuam como guias neutros e confiáveis do processo.
O que aconteceu
Na primeira oficina da equipe de cenários em novembro de 2018, tentamos implementar a abordagem acima. Alguns membros da equipe de facilitação das Primeiras Nações duvidaram que isso funcionasse, mas foram junto.
Não funcionou.
Nos primeiros minutos da oficina, a incompatibilidade entre a metodologia que estávamos usando e as expectativas da equipe de cenários se tornou aparente. Por exemplo, a Reos muitas vezes toca uma campainha quando um participante usou seu minuto para se apresentar, mas muitos participantes consideraram isso desrespeitoso com aqueles que falavam, especialmente os Anciãos. Um outro exercício que Reos pratica é uma maneira mais profunda de falar e ouvir olhando nos olhos de um parceiro, o que alguns participantes acharam culturalmente inadequado. Imediatamente, houve um conflito na sala sobre a maneira de fazer as coisas que prevaleceria.
A equipe de facilitação achou esta colisão chocante. Muitas de nossos pressupostos básicos não pareciam se sustentar:
- Os membros da equipe de cenários vivenciam múltiplos aspectos da história e realidade atual das vidas das Primeiras Nações - caracterizados pelo colonialismo, racismo e opressão - como sendo traumáticos e, portanto, difíceis de discutir rapidamente ou sem entusiasmo.
- Os papéis especiais de Caciques, Anciãos e Detentores do Conhecimento significam que, para muitos participantes, a horizontalidade e as restrições ao tempo de fala foram consideradas desrespeitosas.
- Muitos participantes vivenciaram as atividades estruturadas em tempos curtos (incluindo aquelas que usam formas de trabalho não convencionais e não verbais, por exemplo, usando Post-its e blocos de Lego) como constrangedoras.
- Por causa dessas incompatibilidades e uma longa história de processos opressivos em outros contextos, muitos dos membros da equipe de cenários não confiavam em alguns dos membros de nossa equipe de facilitação - especialmente os membros da Reos não pertencentes às Primeiras Nações.
O que aprendemos
A Equipe de Facilitação pivotou durante a primeira oficina e muitas vezes depois. Não podíamos saber com antecedência o que funcionaria e então tateamos nosso caminho a seguir - muitas vezes batendo a cabeça dolorosamente. Continuamos perguntando o que estava indo bem e que precisávamos continuar fazendo e o que precisávamos fazer melhor. Desta forma, descobrimos metodologias que funcionaram e aos poucos aumentamos a confiança e a abertura na nossa equipe de facilitação e na equipe de cenários.
A abordagem trançada que acabamos usando envolvia os seguintes elementos:
- Cada dia da oficina começou com cerimônias tradicionais de cachimbo e água, tambores e cantos, e falas de Anciões e Guardiões do Conhecimento.
- Os Anciãos e os Guardiões do Conhecimento participaram num próprio processo paralelo separado do processo de cenários usando a abordagem trançada.
- Cada vez mais as oficinas eram facilitadas pelos membros das Primeiras Nações de nossa equipe, com os membros da Reos não tendo papéis de fala.
- As partes do processo que eram estruturadas e com limite de tempo foram reduzidas para deixar mais tempo para atividades menos estruturadas e restritivas.
Conclusão
Ao usar essa abordagem entrelaçada para responder às quatro questões estratégicas, a equipe de cenários construiu quatro estórias de possíveis futuros para os povos das Primeiras Nações em Manitoba:
- Domínio, um cenário de supremacia e apagamento contínuo.
- Apanhador de Sonhos, um cenário de apreciação e apropriação.
- Todas As Minhas Relações, um cenário de negociação e reciprocidade.
- Sol, Grama e Águas, um cenário de autodeterminação.
Esses cenários estão se mostrando relevantes, desafiadores, plausíveis e claros. Eles possibilitaram que os líderes das Primeiras Nações de Manitoba concordassem sobre uma visão de futuro e uma estratégia para a criação de Mino Pimatisiwin. Eles também estão fornecendo uma base para negociações importantes com o governo federal e da província sobre legislação e políticas públicas que afetam as Primeiras Nações.
Além disso, a maioria da equipe de cenários e os líderes das Primeiras Nações concluíram que o cenário Apanhador de Sonhos e especialmente o cenário Domínio são perigosos e devem ser combatidos, enquanto o cenário Todas as Minhas Relações e especialmente o cenário Sol, Grama e Águas são promissores e que devem lutar para realizá-los.
Esses cenários também fornecem orientação importante para facilitadores como nós, que desejam entrelaçar metodologias indígenas e não indígenas. Aprendemos que tanto a abordagem relacional exemplificada pelo cenário de Domínio (em que as metodologias não indígenas são consideradas as melhores) quanto pelo Cenário de Apanhador de Sonhos (em que alguns elementos das metodologias indígenas são incorporados a processos não indígenas) não serão aceitas por Líderes das Primeiras Nações, portanto, não pode funcionar. Em contraste, a abordagem exemplificada por Todas as Minhas Relações (que envolve negociação de processo e reciprocidade) e por Sol, Grama e Águas (onde os processos empregados pertencem aos povos indígenas e eles escolhem quais contribuições não indígenas desejam) será aceita e então pode funcionar.