Nos últimos anos, muitas Organizações Não Governamentais Internacionais (iNGOs) têm sido alvo de críticas e pressões crescentes. As relações hierárquicas e a distribuição de poder entre sedes localizadas no Norte Global e suas equipes operacionais no Sul Global têm sido questionadas. Essas ONGs lutam para equilibrar demandas e prestação de contas a financiadores de um lado e comunidades assistidas do outro. Seus funcionários relatam que o verdadeiro propósito de seu trabalho, como promover os direitos humanos ou endereçar os desafios ambientais, por exemplos, muitas vezes é perdido em meio a processos burocráticos. Os relatos também apontam que as iNGOs não conseguem se adaptar rápido o suficiente às mudanças vividas nos contextos em que operam. Enquanto isso, o impacto da crise causada pela Covid-19 nestas organizações ainda não pode ser previsto com precisão.
No início de 2020, um grupo de agentes de mudança de ONGs nacionais e internacionais, organizações doadoras, consultores, plataformas e academia se reuniram para explorar opções que permitissem “reinventar o sistema de iNGOs”. Este grupo foi convocado pela Reos Partners e pela Purpose & Motion, com o apoio da Oak Foundation. Como parte do processo, o grupo desenvolveu quatro cenários sobre os possíveis futuros do sistema de iNGOs em 2030. Esses cenários não são histórias sobre o que irá acontecer (previsões) ou do que deve acontecer (recomendações), mas falam sobre o que poderia acontecer nos próximos anos no sistema de iNGOs e em seus contextos de atuação. As histórias são baseadas em dinâmicas políticas, econômicas, sociais, culturais, internacionais, relevantes e atuais, além de tendências que surgiram a partir das diversas respostas à Covid-19.
“Concessões pela sobrevivência” conta a história de um setor de ONGs internacionais dividido. Pressionados por restrições orçamentárias e redução do apoio a direitos humanos e outros trabalhos de advocacy, ONGs nacionais e muitas das principais iNGOs se posicionam como implementadoras eficazes de programas promovidos por governos. Algumas organizações resistem a essa prática e preenchem a lacuna de advocacy em nível nacional, no entanto, lutam por sua sobrevivência.
No mundo da “Humanidade reconfigurada”, o foco muda do “bem-estar do capital” para o “bem-estar humano”. A resposta à Covid-19 demonstra os benefícios da colaboração entre setores e o poder da vontade política e da cooperação internacional. Algumas iNGOs demonstram toda sua capacidade de responder rapidamente às necessidades das populações marginalizadas, onde o financiamento é mais direcionado.
“Negócios como a solução” conta uma história marcada pelo foco na recuperação econômica diante da Covid-19. Isso leva à diminuição da influência das ONGs internacionais que, neste cenário, são mal financiadas e, portanto, mal estruturadas para enfrentar muitos dos desafios humanitários e de desenvolvimento do mundo em 2030. No entanto, empresas sociais e guiadas por propósito assumem cada vez mais o trabalho antes realizado por muitas das ONGs internacionais.
No mundo do “Renascimento de bases esgotadas”, as iNGOs começam a reorganizar seu trabalho de maneira mais econômica e descentralizada, com maior foco na transferência de poder, financiamento e valorização das vozes daqueles mais próximos aos contextos de vivência dos problemas sociais. Elas melhoram suas culturas organizacionais, combatendo o racismo e o sexismo decorrentes dos desequilíbrios estruturais de poder.
Os quatro cenários têm o potencial de informar conversas estratégicas dentro das ONGs internacionais e também em organizações financiadoras e parceiras. Problemas de cultura organizacional, liderança, distribuição de poder entre sedes e bases operacionais, além da capacidade de adaptação diante de demandas em constante mudança irão determinar a relevância das iNGOs no futuro. Deixamos aqui o convite ao uso extensivo destes cenários em situações como, por exemplo, o engajamento de equipes e conselhos de ONGs internacionais em conversas sobre as seguintes questões:
O processo “reinventando o sistema de ONGs internacionais” continua. Em seguida, o grupo irá explorar quais fatores ou pontos de alavancagem podem ser os mais efetivos para fomentar um sistema mais justo, sustentável e efetivo, além das mudanças individuais e coletivas que são possíveis iniciar.